Toyart do gato Nicolau ( © 2013 Thales Estefani. Todos os direitos reservados, via Behance.)
Num sábado qualquer de dezembro eu
precisava de tinta acrílica. Um amigo oculto self-made estava
marcado para dali a alguns dias e tive a ideia de fazer um toyart do
bicho de estimação do meu amigo para presenteá-lo. O gato Nicolau.
Seguindo a técnica de construção de
toyart com materiais de baixo custo, que aprendi com Rogério
Camolez, precisava da tinta acrílica para pintar o gato. A técnica
em questão já foi aperfeiçoada e utilizada amplamente pelo próprio
Rogério, e eu mesmo já havia construído um toy seguindo essa
técnica durante um workshop.
Eis que, ao entrar em uma loja
ESPECIALIZADA em materiais para artes gráficas e buscar pelos potes de
tinta acrílica fui abordado por uma vendedora que me questionou
“Desculpa perguntar, mas para quê você quer essas tintas?”. Eu,
inocentemente, respondi que era pra fazer um toyart e ainda tentei
explicar com um sorriso estampado no rosto “É tipo um boneco, uma
escultura pequena”. Então a vendedora simplesmente tirou as tintas que estavam
na minha frente, em cima de um balcão, dizendo “Não, essa tinta
não vai servir pra isso!”.
Ora, mas o que é “servir” nas artes visuais?
Que tipo de subserviência da criação ao material é essa abordada pela vendedora?
Na escola a gente aprende desde
pequenininho que o lápis preto, de grafite, é pra escrever. O
outro, colorido, é pra pintar. Que só é sério o que está escrito
à caneta. Que a tinta a gente pega com o pincel... Mas na escola a
gente também aprende que pode colocar o giz de cera na chama da vela
pra pintar com gotas fluidas de cor, que a lixa de madeira pode ser
papel, que dá pra pintar com os dedos e com as mãos lambuzadas de
tinta. Só temos essas duas visões do material na escola porque lá
é o lugar de experimentar e saber se você vai querer, pro resto da
sua vida, seguir as regras, destruí-las ou reinventá-las... porque,
afinal de contas, nem existem materiais específicos pra artes. Ou então Camolez não teria inventado sua técnica de toyart.
Imaginem se alguma vendedora dissesse
para Yves Klein que ele não poderia pintar com o corpo de outras
pessoas, que não poderia tacar fogo nas pinturas, que não poderia
pintar com abrasões meteorológicas... Claro, não quero comparar, eu estava em uma
posição bem mais medíocre que Klein, porque queria apenas fazer um
toyart. O artesanato é diferente da arte. O artesanato deve ser o que você espera dele. A arte pode ser tudo o que você não espera dela. Mas ainda assim, por não conhecer a técnica do toy referida, a vendedora não deveria impedir minha compra.
É claro que, esperar que a vendedora
da loja se questione sobre a
subserviência ou não da criação à matéria-prima é pedir muito. Mas, poxa,
se nem a lógica capitalista fez com que ela me vendesse as tintas,
mesmo que não servissem pra mim, apenas para lucrar mesmo, creio que
eu possa classificá-la como uma péssima vendedora.
E o final da história?
Falei “Ta certo”, virei as costas e nunca mais entrei pela porta daquele lugar. Comprei tudo que eu precisava naquelas grandes lojas onde não há questionadores, você pega tudo o que quer, passa no caixa e “Boa tarde!”.
Falei “Ta certo”, virei as costas e nunca mais entrei pela porta daquele lugar. Comprei tudo que eu precisava naquelas grandes lojas onde não há questionadores, você pega tudo o que quer, passa no caixa e “Boa tarde!”.
Thales Estefani
Geraldinho Nosferatus, outro toyart pintado com tinta acrílica ( © 2013 Thales Estefani. Todos os direitos reservados, via Behance.)
Crônica originalmente publicada no blog FÊMUR em 26 de janeiro de 2014.
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